sábado, 26 de outubro de 2024

Guardado

 



 

 

O que me prende não são cercas.

Acerca disso, encarcero-me.

Grades, gaiolas e asas de cera

No interior quase deserto de mim.

 

Tento a teimosia

Da brota, do florescer

Para assim ser

Pouso de insetos melíferos.

 

Nos outonos finais

Invento quimeras

Sobre folhas mortas

Soltas ao vento da estação.

 

No distante, não obstante

Uma araucária solitária

No estio cumpri (no imperativo)

Sua regra sina.

 

Livre de qualquer amarra

Arraigada,

Sentenciada

Ao lugar da queda.  

 

Eu que posso voar

Me prendo qual andrajos velhos

No arame farpado

No varal do tempo.

 

Sob calendários, agendas

Horários e itinerários

Ocultos nas entrelinhas

Das minhas utopias.

 

 

José Regi

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Delírios noturnos


 

 


 

Nunca provou o sal da barranca,

Ainda que em delírio houvesse

Mergulhos obscuros

Em águas mornas salobras...

Nunca lambuzou-me em teu suor.

 

Ainda que desejo fosse

Nunca tramou meu corpo

Em tuas teias sedosas,

Nunca acordou abruptamente

ao meu lado ofegante e molhada.

 

Sempre manteve o platonismo

E o egoísmo só pra si.


A volúpia é utopia

E a lascívia que imaginava

São devaneios de eras...

Um relicário profundo

Guardado no fundo

Do baú de quimeras.

 

Cartas de amor abortadas,

Amor monólogo unilateral

Num prólogo egoísta

Do seu eu...

Um dia que ela inventou

E que nunca aconteceu.

 

José Regi

sábado, 7 de setembro de 2024

Viajante

 


Um corpo dança ao som do relógio

Fitando o sol que não tarda a nascer

Presságio de luz no alto do pódio

Gaiolas abertas ao amanhecer

 

Aqui no lado de dentro do silêncio

Paredes brancas maculam-me a paz

Equilibro-me no arame fardado pênsil

No aguardo da brisa breve, mansa e fugaz

 

Um canto lírico ecoa no instante agora

A vida bate asas pela janela dos olhos

Pássaro de migragem se indo embora

Entre flores noturnas de época e afolhos

 

Apenas o canto livre das asas se ouve

No longe quase distante de tudo daqui

Encarcerado atrás dos caixilhos, ouse

Versar sobre avesso da fuga enfim...

 

Voos findos em oníricos oásis

Vida e morte, uma quase miragem

Entre o horizonte e a verticalidade

É o sono eterno ou seguir a viagem.

 

José Regi

 

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

MEDOS E ENCANTOS

 



 

Tenho medo daquilo que conheço, dos buracos por onde andei, dos passos e rastros deixados nos medos que descartei.

Que o mundo me livre dos que me encaram olho no olho, sei das insanidades que esse humano é capaz, tão voraz como uma formiga cortadeira, que encontra o mel mais doce no pé espinhento de uma roseira.

Vai devastar-me a vivacidade e sugar sem dó minhas defesas. Por isso o medo evidente dessa gente que bate frente a frente nos dias que se faz realidade.

Atrai-me o desconhecido, energias e emoções, deuses sacros e pagãos, credos e outras seitas onde deleitas a imaginação.

Atiça-me a verdade dos desejos ocultos na proporção exata do encanto, onde o espanto equivale a vontade de entender o incompreensível, a magia das artes abstratas que retrata com fidelidade a alquimia dos mistérios, tão gloriosos, quanto gozosos.

Tenho dedicado atenção as rezas e as manifestações em línguas por curiosidade minha. Isso é parte dos encantos que guardo em segredo sob sete chaves.

Aliás esse é outro atrativo, a mística do número sete e tudo ao seu entorno. Sete anos no Tibet, sete noites e sete dias, sete mares naveguei, sete vidas tem o gato, sete pragas do Egito, sete luas novas...E tudo que está escrito.

São encantos que eu carrego e neles eu acredito. Tenho receio de regras, imposição e castigo, tenho ficado em silêncio, bem mais do que eu preciso, tentando adentrar sozinho a sétima porta do paraíso.

Numa manhã de ontem, dia nublado e frio, ouvi o canto do galo demasiado tardio, arrepiou-me a epiderme o agouro desse episódio, espiei pela janela o que seria esse alerta, cheguei a sentir ódio do pobre da sentinela.

Perdeu a hora do tempo, e seu relógio atrasado, não foi capaz de acordar na hora do tempo marcado. Por instinto soltou um canto um tanto descompassado, talvez por medo até ser degolado.

Medos e encantos são da nossa marca raiz, importante é viver a vida como mestre e aprendiz. Respeitar nossos limites e avançar quando der, ser do nosso tempo atris e ator e se possível feliz...Quando puder.

 

José Regi  

 

 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Incompreensão

 



 

Um alarido triste entre os viventes

Prenúncio de sofrimento abissal

Esse ar parado, quase atemporal

E essa vontade de chorar iminente

 

Decifras o silêncio dessa manhã cinza

Não compreendes a quietude da citara

O sabor amargo do café na xícara

E a dor da ausência que não cicatriza

 

Olhos distantes, lágrimas caídas 

Não há mensuras capaz de medir

A dor imposta por essa partida.

 

Chegas a duvidar da própria crença

Ante ao Tamanho desse encurtamento

E do vazio que agora se apresenta.

 

José Regi

sábado, 2 de setembro de 2023

Volúpia

 



 

Eu, que desejo

O néctar inebriante

Do teu beijo

E depois...

Lambuzar-me

No abuso desse

Louco imaginar

Quero tocá-la

E sentir na ponta dos dedos

Ao calor que emana

Dos teus confins...

Enfim me perder

Na sinuosidade

De tuas curvas,

Deslizar e cair

Na luxúria

E por fim

E morrer no teu gozo.

 

José Regi

 

 

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Poema para instante agora



 

No condicional...

Não tem que ser assim superficial

Essa aventura eventual

No tempo de um temporal

Que caiu no fim

Da tarde de ontem

 

No condicional...

Há que se ter o mergulho

No abissal sentido pleno

O respirar terra molhada

Dá sensação de estar aqui

Embora em viagem

Insólita ao seu interior.

 

No condicional...

Cada toque

Cada cheiro

Cada gosto

E em cada olhar

Um filtro maxificador

Para cada micro sentido

 

Ter no condicional,

Alegrias aleatórias

Sorrisos espontâneos

Sentir-se bem

Na simplicidade do instante

Ante a complexidade

Vital que faz a roda girar.

 

No condicional...

Regar as flores

Atenuar as dores

Sentir os sabores

Nos estertores da vida

Enquanto respira esperança

Aquela criança teimosa

De ontem.

 

José Regi

 

Guardado

      O que me prende não são cercas. Acerca disso, encarcero-me. Grades, gaiolas e asas de cera No interior quase deserto de mi...